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sábado, 30 de agosto de 2014

Enquanto isso ... trazendo a memória momentos ...

... muitos meses se passaram desde a minha ultima publicação... muitas águas rolaram ... e ...Num dia desses ... "enquanto isso" ... 

Leram para mim ... degustei , gostei e quero repartir ... kkkkkkkkk!!!!!

LIVRO COMESTÍVEL
Monteiro Lobato

(imagem da internet)



“– [...] Que acha que devemos fazer para a reforma dos livros?
A Rãzinha pensou, pensou e não se lembrou de nada.
- Não sei. Parecem-me bem como estão.
- Pois eu tenho uma idéia muito boa – disse Emília. – Fazer o livro comestível.
- Que história é essa?
- Muito simples. Em vez de impressos em papel de madeira, que só é comestível para o caruncho, eu farei os livros impressos em um papel fabricado de trigo e muito bem temperado. A tinta será estudada pelos químicos – uma tinta que não faça mal para o estômago. O leitor vai lendo o livro e comendo as folhas; lê uma, rasga-a e come. Quando chega ao fim da leitura, está almoçado ou jantado. Que tal?
A rãzinha gostou tanto da idéia que até lambeu os beiços.
- Ótimo, Emília! Isto é mais que uma idéia-mãe. E cada capítulo do livro será feito com papel de um certo gosto. As primeiras páginas terão gosto de sopa; as seguintes terão gosto de salada, de assado, de arroz, de tutu de feijão com torresmos. As últimas serão as da sobremesa – gosto de manjar-branco, de pudim de laranja, de doce de batata.
- E as folhas do índice – disse Emília – terão gosto de café, serão o cafezinho final do leitor. Dizem que o livro é o pão do espírito. Por que não ser também pão do corpo? As vantagens seriam imensas. Poderiam ser vendidos nas padarias e confeitarias, ou entregues de manhã pelas carrocinhas, juntamente com o pão e o leite.
- Nem precisaria mais pão, Emília! O velho pão viraria livro. O Livro-Pão, o Pão-Livro! Quem souber ler lê o livro e depois come; quem não souber ler come-o só, sem ler. Desse modo o livro pode ter entrada em todas as casas, seja dos sábios, seja dos analfabetos. Otimíssima idéia, Emília!
- Sim – disse esta muito satisfeita com o entusiasmo da Rã. – Porque, afinal de contas, isso de fazer os livros só comíveis para o caruncho é bobagem – podemos fazê-los comestíveis para nós também.
- E quem essa idéia a você, Emília?
- Foi o raciocínio. O livro existe para ser lido, não é? Mas depois que o lemos e ficamos com toda a história na cabeça, o livro se torna uma inutilidade na casa. Ora, tornando-se comestível, diminuímos uma inutilidade.
- E quando a gente quiser reler um livro?
- Compra outro, do mesmo modo que compramos outro pão todos os dias.
A idéia, depois de discutida em todos os seus aspectos, foi aprovada, e Emília reformou toda a biblioteca de Dona Benta. Fez um papel gostosíssimo e de muito fácil digestão, com sabor e cheiro bastante variados, de modo que todos os paladares se satisfizessem. Só não reformou os dicionários e outros livros de consulta. Emília pensava em tudo.” (p.37-38).

(Fonte: LOBATO, Monteiro. A reforma da natureza. São Paulo: Globo, 2008. 72p)